
Chovendo ou fazendo sol todos os dias às onze horas da manhã calçava o tênis com meias brancas até o meio da perna, colocava a bermuda cargo e a camisa polo e lá ia ele para a justificada volta no quarteirão.
Alegava orientação médica o caminhar diário.
Passava no jornaleiro, pegava o jornal já reservado e sentado no banco da praça lia a parte econômica, mundial e local, não deixando de passar os olhos pelo caderno de esportes onde acompanhava mais por tradição do que por convicção o desempenho do seu time de devoção.
Suspirava com o olhar perdido no horizonte, em seguida levantava e andava até o bar da esquina, tomava o chope de um só gole, estalava a língua, jogava conversa fora com os colegas e verificava no relógio de pulso, que ganhou de presente quando da aposentadoria, o horário que julgava ser o certo para o almoço.
Entrava no “Chez Ananda” religiosamente ao meio dia. Não se dava ao trabalho de decidir o que iria comer de tão conhecido que era no local. Deixava que escolhessem para ele. Deliciava-se em não saber o que lhe seria servido. Não lhe agradava ser presumível. Os funcionários tinham-lhe afeto pela convivência diária e achavam graça em suas bizarrices.
Sem nenhuma pressa degustava o prato, aproveitava a sobremesa e não dispensava o cafezinho.
Saciado e em paz, bovinamente voltava para o lar onde pretendia descansar o corpo e a alma na cama agora já arrumada.
Chegava a casa e a patroa logo avisava que o almoço já seria servido convidando-o a lavar as mãos e sentar-se à mesa. Recusava. Dizia-se cansado e precisando descansar.
A esposa abnegada se preocupava. Altair já não se alimentava direito. Esmerava-se na elaboração das refeições dedicando-se com afinco na escolha dos ingredientes e preparo dos pratos. Atenta ao sal, de forma a não lhe causar dano na pressão, sucos e refrescos preparados diretamente da fruta, sem açúcar, com justa atenção no controle de seus diabetes. Diligente com a casa, com o asseio, com o cuidado. Não compreendia o que se passava com o marido. A tudo que lhe era oferecido recusava inconteste.
Altair a tudo observava e internamente divertia-se. Causava-lhe prazer oculto deixar a mulher cismada.
De tanto se preocupar com Altair e esquecer-se de si Vera faleceu abruptamente.
Altair paralisou. Não esboçou reflexo. Não chorou.
Nos dias que seguiram não saiu mais de casa. Abandonou as caminhadas. Deixou de ir ao “Chez Ananda”. As notícias não mais o interessavam. Os colegas sentiram sua ausência.
Certa noite depois da visita dos filhos e netos, deitado em seu leito e olhando para o teto, após rezar murmurou: “Como te amo meu amor!”.
Não acordou.
Imagem: Unsplash/Jeff Sheldon
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