
Em um cenário em que correr o risco de morrer tomou conta do teatro da vida não saber o que fazer era o novo normal.
Joaquim, em sua humanidade, não deixava de considerar-se inserido neste contexto.
Reconhecia: “- Estava perdido!”.
Viu-se de repente sem emprego, sem dinheiro e sem arrimo. No entanto era safo.
Por alguns dias até perambulou a esmo pelas calçadas da cidade procurando o que fazer para sobreviver, porém em uma tarde não muito clara uma ideia acendeu em sua cabeça e logo a colocou em prática.
Intitulou-se ungido, subiu em um caixote em praça pública e provocava as pessoas a tocarem a ponta de sua camisa. Bradava em alto e bom som que quem assim procedesse estaria protegido contra o novo vírus. Claro que a contrapartida viria através de voluntária doação que o benzido deveria depositar, sem tocá-lo, no recipiente localizado aos seus pés.
Perguntavam os duvidosos: “- Que garantia teremos?”
Ao que Joaquim respondia: “ – A minha! Quem melhor do que eu para garantir! Sou o escolhido! Estarei sempre por aqui, e se acaso contraírem a doença venham até mim ou peçam que alguém me denuncie.
Mas em verdade lhes digo: Não o farão. Eu lhes protejo com o poder do Pai a mim conferido que vocês não se contaminarão!”
Os transeuntes que o ouviam se entreolhavam em um misto de incredulidade, desconfiança e zombaria.
Os dias se passaram e em volta de Joaquim foi se formando um grande número de espectadores e curiosos. Alguns incluíram em sua rotina o hábito de verificar somente para se certificarem se algum ungido apareceria para reivindicar a proteção fracassada, e os curiosos do dia apareciam simplesmente para entender o que estava acontecendo.
Joaquim ria por dentro. Nunca tinha passado tão bem na vida. Com o dinheiro arrecadado instalou-se em uma pensão. Comprou roupas novas e agora andava limpo. Fazia as três refeições diárias e não mais passou fome. Começou até a acreditar que Deus existia. Porém não deixava de usar a mesma camisa que estava vestindo no dia em que promoveu o primeiro toque de prevenção.
Como ninguém aparecia para o contradizer, a plateia começou a confiar.
Mais e mais pessoas passaram a querer tocar a ponta de sua camisa para também obter a graça alardeada.
Com o passar do tempo a camisa esgarçou, furou e depois rasgou. A ponta tão requisitada virou pó e desapareceu enquanto beira de camisa que já fora um dia.
“- E agora?” Pensou Joaquim. Resolveu então que no dia seguinte usaria outra camisa. De início tudo parecia correr bem. Joaquim considerava-se o próprio escolhido, afinal a troca de camisa em nada mudou o ritual oferecido. O poder era dele. Provinha dele.
Até que em uma tarde uma senhora chegou para reclamar que seu querido pai que um dia havia tocado sua camisa veio a falecer naquela manhã. Gritou,xingou, agrediu-o com tapas tendo por fim cuspido-lhe o rosto.
Joaquim ficou perplexo. Mal acreditava no que tinha acontecido.
Precisou sair dali corrido, pressentiu que se não o fizesse seria linchado pela plateia revoltada.
Chegou à pensão aflito e foi logo se lavar. Estava tão nervoso que jogou álcool no rosto para se proteger de possível transmissão. Os olhos queimaram.
Não sabe se por somatização, ou não, começou a tossir. De noite sentiu-se febril. De manhã perdeu o paladar.
Sozinho não tinha forças para sair do quarto começando a definhar.
Depois de alguns dias a dona da pensão deu por falta de Joaquim e resolveu bater na porta de seu quarto.
Joaquim não atendeu.
Arrombada a porta foi encontrado desacordado. Socorrido e internado não resistiu e faleceu.
Verso ou inverso: “Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe.”
Imagem: Unsplash/Dimas Aditya
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