top of page

DESIDERATO



Aguardava. Era o que me restava. Não tinha para onde correr.

Fui apaixonada por ele quando menina. Nunca me deu esperanças, sabedor que era de sua vocação de alma.

Insisti, seduzi, agredi e desisti. Perambulei pelo mundo. Estive aqui e ali, me relacionei com fulano e sicrano.

Engravidei do fulano, e demasiadamente desesperada exagerei na beberagem ministrada por pessoa de formação duvidosa que uma amiga indicou.

Foi quando ele me encontrou. Imersa em uma poça de sangue sofria calada pelo final grotesco que arquitetara para mim sem régua ou prancheta.

Acordara em um quarto simples na Catedral onde ele vivia. Percebi que minha roupa havia sido trocada e que estava agora limpa e asseada.

Mas e a criança? Queria saber. Perdera ou não?

Ele não demorou a chegar. Vendo-me acordada olhou-me daquele jeito que só ele sabia fazer. Compaixão e crítica.

Através do olhar me fez perceber que não adiantara a violência induzida. Ele ajudaria, porém não se apiedaria de mim.

Sofri duplamente. Pela perda do que não fui e pela interrupção daquela que nem deixei ser.

Assim que me vi sozinha corri pelos corredores vazios da Igreja, atravessei o pátio e fugi pelo portão localizado nos fundos. Por alguns quilômetros só queria saber de correr. Queria fugir de mim, tarefa que parecia impossível, quanto mais eu corria mais perto de mim eu ficava.

Cheguei esbaforida ao rio que cortava a cidade. Primeiro molhei os pés. Depois os tornozelos. Ouvi que ao longe gritavam por mim.

Eu não gritava mais.





Imagem: Lucia Dias

bottom of page