Cruzou meu caminho. Passou bem na minha frente. Paralisou-me. Primeiro por me sentir invisível, depois pela percepção do que os meus olhos viram e enxergaram.

Alta, cabelos castanhos e cacheados com comprimento na altura da nuca. Deixava o pescoço livre para receber afagos intempestivos.
Usava sapatos um tanto quanto brutos. Pretos, de cadarço, sem salto. Saia longa, terminando na canela. A blusa deslizava por cima da saia. Não ostentava adereços. Nada de vermelho nem tão pouco de dourado.
Chamou-me a atenção a lingerie lilás que fugia por baixo da blusa.
Divaguei na cena. Ela, a lingerie, exibia-se. Acenava abertamente para todos que passavam em sua volta. A preservada senhora não podia evitar o recado que sua audaciosa peça íntima transmitia, em nada contida destacava-se abertamente do conjunto, gritando – estou aqui, quero ser vista e apreciada.
Bem provável que a matriz, ao se vestir pela manhã cedinho, não tivesse atentado para o fato de que o mais íntimo do seu ser fosse vir à tona simplesmente por conta do que usava por baixo de seu traje conservador.
Ela parecia não perceber os olhares.
Aquela inquieta roupa de seu vestuário convidava-me a um inquietante passeio na sexualidade.
Acostumado que estou às transparências e obviedades, pegou-me de surpresa tamanho atrevimento.
Fiquei inquieto.
Nem tentei entabular contato. O mistério contido no contraste entre o que era visível e o que parecia querer se esconder e se mostrar, confundia-me e excitava.
Perdi o prumo e a direção.
Nos dias atuais, imiscuído em tantas evidências escrachadas, a visão de uma alça de sutiã rendada e saltitante seduz e inspira.
O nu tem seu valor, não vou negar. Mas a sedução mora no translúcido.
Na meia luz. No entorpecimento.
O excesso de luz ofusca e opaca. Cega.
Não se vê tão bem no claro.
Imagem: Unsplash/Debashis Biswas