Ligaram somente para saber se ela estava. Parece refrão de música, mas não é.
Lembrou disso de tanto que o telefone tocou ontem na repartição, e toda vez que ela atendia o suposto interlocutor desligava.
Sorriu nostálgica.
Há tempos não sabia o que era isso. Passou da idade. Recordava os tempos de juventude quando os admiradores ditos secretos telefonavam, e escondidos atrás do anonimato demonstravam através de sôfrega respiração sua real intenção.
Existiam aqueles, que mais eufóricos, colocavam uma música para declarar seu amor à eleita. Imaginavam ser esta a versão moderna para serenata.
Não havia celular, tampouco identificador de chamadas, o bom mesmo era imaginar quem seria. Mistério.

Coisa de velho, dirão alguns.
Coisas boas também chegaram. Por vezes, avanços tecnológicos propiciam bons resultados.
Os atrasos, desculpas, imprevistos e equívocos podem ser facilmente solucionados, poupando muita dor de cabeça. Trote então – acreditava que os jovens nem sabiam o que isso significava.
Era grata à tecnologia o presentear da invisibilidade conduzida. Podia aparecer e desaparecer quando queria, só apertando um botão. Óbvio, que tomando o cuidado de evitar ser filmada ou gravada.
Podia escolher entre atender ou não atender chamadas.
Agora inevitavelmente sabe-se quem está ligando e de onde.
As chamadas de voz quase não existem mais. Encontram-se em franca decadência.
Atualmente as conversas se dão apenas através de mensagens, emojis, ou gravações unilaterais que impedem de forma coercitiva o contraditório.
Entabular diálogo, nem pensar.
A surpresa foi abduzida de sua vida.
E aquela respiração no fone ao seu ouvido...sumiu no dedilhar do teclado do celular.
Imagem: Foter.com/Qole Pejorian