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O JORNAL


Acredito que hoje em dia não se leia mais jornal. Digo em papel. A evolução tecnológica nos livrou da tinta da impressão nos dedos.


Na verdade na web, não precisamos nem procurar, basta o sistema de busca diagnosticar nossas preferências, que já trazem de bandeja todos os rótulos, títulos e conteúdos que acreditam irão nos seduzir e interessar. O que, por vezes, acarreta equívocos.

Através da internet percebi de forma nem sempre divertida como devo parecer aos olhos dos outros. Não resisti, resolvi brincar com aquela que julga me conhecer.

Finjo gostar de finanças, e lá vem ela com uma enxurrada de dicas sobre gestão e orçamento doméstico.

Sinalizo que o meu time de futebol de coração é o meu rival, e obtenho sem esforço toda a ficha técnica do inimigo, incluindo contratações e táticas de jogo. Fico sabendo mais do time adversário do que do meu próprio.

Acompanho atentamente as atividades públicas do político que mais detesto.

Quando percebo estou vivendo mais do avesso do que do direito.

A minha ânsia de enganar o sistema é tanta que acabo me tornando aquilo que sempre lutei para não ser.

Prefiro a época áurea do jornal impresso. Ir ao jornaleiro era desculpa para sair de casa, levar o cachorro na rua e trocar uma conversa rápida com o Chico na padaria.

Chegar em casa com o jornal debaixo do braço, se jogar no sofá e sentir aquela ansiedade gostosa ao despencá-lo era uma delícia, dessas que só comparo a comer chocolate.

Tinha o hábito de lê-lo de trás para frente. Começava pelo segundo caderno, depois as notícias locais, em seguida as do país e por último a parte política. Saudosismo irá dizer. Ridículo.

Nos dias atuais, no escorregar dos dedos me atrapalho na tentativa de manter hábitos antigos. Mas vou me adequando.

A madame tem lá seus encantos. Tira-me do sério somente quando fica convencida de que me conhece melhor do que eu, invadindo acintosamente a minha privacidade.

É ótima para passear, mas não serve para casar.

Imagem: Unsplash/Hayden Walker


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