Admirava aquela arquitetura como um ansioso em frente à geladeira. Salivando.
Era a igreja da praça. Como toda igreja em geral prescindia do sinal da cruz toda vez que passava por ela.
Contava nos dedos a chegada das segundas-feiras. Na sua opinião era o melhor dia da semana. Acreditava ser só sua esta preferência de dia semanal, em geral as pessoas se rasgavam por sextas e sábados.
Às cinco horas da tarde se arrumava e perfumava, conferindo na bolsa se o terço comprado devotamente em Fátima lá estava.
Ao adentrar a igreja sentia-se em puro êxtase.
Já não sabia mais quem era, quais eram seus problemas, anseios e desejos.
O transe era tão absoluto que só conseguia voltar ao chão se o próprio São Miguel Arcanjo em pessoa a empurrasse da nuvem.
Seis horas em ponto começava a reza do terço.
Em roda com as demais devotas concentrava-se tão somente no rosário.
A cada oração proferida no cadenciamento das vozes articuladas e uníssonas ela viajava no etéreo.

Seu corpo parecia não estar lá. Levitava.
A enlevação era tão profunda que se quer percebeu a reza terminar. Viu-se sozinha na igreja diante da imagem de Nossa Senhora.
Pensou em aproveitar e fazer um pedido. Crédito já tinha.
Mas qual? Dinheiro? Saúde para si e para família? Amor?
Não saberia dizer.
Dinheiro acreditava ter o suficiente para uma vida digna.
Saúde era só para si, afinal sua família toda, pelo menos a que acreditava ter, já tinha passado desta para melhor.
Amor ... nem pensar. Dava muito trabalho e estava querendo mesmo era curtir sozinha o lado bom da vida, afinal os aplicativos já tinham sido inventados.
Ficou sem saber o que fazer e riu da situação.
Na verdade gostava mesmo era da emoção resultante da combinação de reza, igreja e terço.
Aquele era o seu nirvana. Sua cachaça. Seu vício.
Foi assim enebriada, que subiu a saia, saiu da igreja se benzendo, fechou o guarda-chuva e caminhou feliz da vida para casa,deixando a chuva molhar o rosto, desejando um banho quente e uma taça de vinho.
Assim me contou ao telefone antes de dormir.
Imagem: Unsplash/James Coleman