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FOGO, METEORO E LUZIA


Esta semana o fogo entrou em nossas vidas pela porta da frente. Com aviso, porém sem piedade.

Que o fogo é um elemento da ordem do sagrado, disso não há dúvida. Mas, para nós simples mortais é difícil compreender a sacralidade de tal elemento no momento em que se manifesta de forma sorrateira, perversa, longe de nosso controle.

Perceber de imediato a divindade em sua exibição profana na destruição de nossas memórias que heroicamente sobreviviam, foge a nossa compreensão.

Alcançar o significado, o recado e as consequências de sua manifestação anunciada, porém renegada, constitui tarefa improvável.


Flertamos com o fogo na ignorância de fazê-lo submeter-se.

No apogeu de sua esplendorosa exibição a consequência instantânea foi a de que o meu fogo interno esvaiu-se.

Senti de perto a morte, o vazio, a ausência de significado. Senti-me desconectada com a totalidade da humanidade como se a ela não pertencesse.

O fogo havia destruído a matéria de um corpo sem alma. E a minha alma não tinha a menor intenção de habitar um corpo desunido com o propósito desta nova e evanescente humanidade.

Em cinzas a morte encontrou a vida precariamente preservada.

No macabro não encontro o verde da esperança. Não confio em iguais. Lamento profundamente a derrocada de uma espécie errante na escolha de suas prioridades.

Diante de elucubrações e devaneios, minha hipócrita desfaçatez de carne abjeta ironiza o meu ser nada significante no cenário do poder dominante a que se subjuga a espécie humana neste país.

O fogo deixou seu recado, não consumiu o meteoro que impávido não nos deixa esquecer que dos céus pode vir qualquer coisa que possa dizimar nossa existência egóica e fugaz.

Que a tão fadada meritocracia nos propicie a estirpe de nossa antepassada Luzia, concebo que só assim sobreviveremos a nós.

Imagem: Unplash/Denys Argyriou


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