Estava calor. Não muito calor, entretanto, em nossos corpos e corações a temperatura era altíssima.
O susto. A dor. A comoção tomava conta de nós e fazia-nos chorar copiosamente. Naquele momento parecia que era tudo o que podíamos e conseguíamos fazer.

Não me lembro na vida de ter sentido algo similar. Tive perdas na vida.
Perdas inestimáveis.
Mas esta perda em especial trouxe um significado e uma real dimensão do sentimento de luto.
O luto imposto deixou-me órfã de representação. Abandonada na exceção.
Nas horas de desespero não é de bom tom ter bom senso.
Mas ali, consternados, todos pareciam ter.
Uma multidão naturalmente organizada, sofrendo coniventemente, inibiu e constrangeu a presença coercitiva do estado. Impediu uso de tecnologias, e ordeiramente abriu-se para receber a entrada na cena daquela que, forçada, saiu deste mundo.
Lá não estavam curiosos. Lá não estavam abutres - não ousariam.
Todos os presentes sofriam.
A vida de lutas pessoais e coletivas marcou a trajetória desta que, antes de colocar-se neste mundo enquanto mulher, apresentava sem medo a fêmea selvagem e corajosa que era na defesa de suas ideias.

O episódio nos confronta com o sentido real de justiça, seja ela divina ou dos homens. Não há definição possível convincente neste caso.
O texto adormecido despertou após cinco meses do ocorrido no encontro casual no Plenário com sua companheira.
Um misto de emoção, indignação e vívida angústia invadiram-me.
O encontro deixou marcas. Assistir à luta desta incansável e aguerrida viúva para manter viva na memória da sociedade a forma brutal como lhe roubaram a companheira de vida e tudo o que ela representa me emocionou de tal forma, que chorei por dentro, delicadamente para não incomodá-la.

Equivocaram-se terrivelmente os algozes, porque para sempre:
Marielle presente!
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