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PRAÇA FLORIANO  SEM NÚMERO


O relógio da Câmara Municipal toca nove vezes. Nove horas da manhã.

Estou chegando em minha estação de trabalho.

Seria mesmo uma estação? Daqui de onde estou, de frente para janelas em arco do prédio art déco localizado no centro histórico da cidade, tenho visão privilegiada para as palmeiras que ornam a lateral do Teatro Municipal . Dia nublado, Carlos Gomes com sua batuta observa molhado o movimento frenético habitual de um começo de dia útil em uma grande metrópole.

Enquanto a cidade desperta para mais uma etapa, direciono meu

olhar para as janelas de onde avisto as palmeiras. Aqui neste quartier latin a vida é rica em diversidade. Percebo a beleza antagônica entre a realidade e a beleza escultural que transforma este lugar em cenário de batalhas políticas e culturais, fazendo-nos egoisticamente acreditar que tudo de relevante que acontece no país começa na Candelária e termina na Cinelândia.

Os turistas empunham suas máquinas fotográficas e celulares para registro de tão estonteante visão, admirados com a arquitetura das construções do entorno, onde o estilo europeu preponderante – Teatro Municipal, Câmara Municipal, Museu de Belas Artes, Biblioteca Nacional – se contrapõe à revitalização da Avenida Rio Branco que inclui o moderno corredor expresso do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) .

Desavisados não percebem que a miséria social em que nos encontramos, agregada à desconstrução do atual cenário político faz proliferar uma intrépida trupe de malfeitores soturnamente acampados no aguardo de um mero descuido que garanta o pão nosso de cada dia.

Os moradores de rua integrantes absolutos deste cenário com seus corpos deitados em eterna letargia de frio e fome, invisíveis aos olhos dos transeuntes , espectros de si mesmos, gritam através de seus odores resquícios do abandono.

O relógio toca de novo. Desta vez seis da tarde.

A Praça Floriano palco de idas e vindas frenéticas do dia, agora se prepara para a noite.

Ao “Bar Amarelinho” começam chegar os trabalhadores diários para desafogar a alma.

Os artistas se acomodam e se instalam para mais uma apresentação anônima.

O buraco do metrô engole aos borbotões os mais ávidos para retorno ao lar – estes pelo menos tem um. Os moradores de rua , antes expostos, agora como bestas feras procuram suas tocas.

E eu... eu, cansada de tanto observar, olho para dentro, olho para mim, e pergunto : Onde estava quando tudo começou?


Imagem elaborada pela autora


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